No último sábado, Gilberto Gil fez mais um show da turnê Tempo Rei, em São Paulo. Na ocasião, ele recebeu alguns convidados, entre eles sua filha, Preta Gil, que luta contra o câncer. Gil e Preta se emocionaram durante a canção Drão, que o cantor compôs para a mãe de sua filha, Sandra Gadelha.
Grande parte da emoção se deve ao fato de Preta estar há dois anos enfrentando a doença. Ela mesma afirmou que, no Brasil, já não há mais nada que possa ser feito, e que tentará um tratamento nos Estados Unidos.
Sempre me identifiquei muito com Preta, por diversas razões: ela fala o que pensa, é leonina, vive cercada de amigos e passou a vida brigando com a balança.
No ano passado, quando ela fez 50 e eu 40, Preta lançou uma biografia que devorei em poucos dias. Ela falou sobre sua vida profissional, família, amigos e relações amorosas.
Mas, de tudo, o que mais me tocou foi o relato de como vinha enfrentando um câncer colorretal. Ela associou esse tipo de câncer à má alimentação e ao estilo de vida. Enquanto lia, pensava: não quero ter a mesma história que Preta daqui a dez anos.
Mal sabe Preta que ela também foi uma das incentivadoras da minha decisão de fazer a cirurgia bariátrica. Afinal, foi com a história dela que percebi o quanto a obesidade afeta de forma significativa o sistema imunológico, contribuindo para o surgimento de tumores.
O Dr. Álvaro Ferraz, cirurgião bariátrico e pesquisador do HC da UFPE, explica que algumas alterações causadas pela obesidade têm forte impacto carcinogênico — ou seja, contribuem para a formação e o início da transformação celular rumo ao câncer.
Três pilares dessas alterações aumentam a incidência da doença: a produção excessiva de insulina, o estado inflamatório crônico e as alterações nos hormônios sexuais. Além disso, a obesidade também provoca mudanças na microbiota intestinal e em certas proteínas (alterações proteômicas), que favorecem o desenvolvimento do câncer.
Dr. Álvaro Ferraz, cirurgião bariátrico e pesquisador do HC da UFPE
Reprodução/Instagram/alvaroabferraz
Na literatura médica, há evidências que relacionam a obesidade ao aumento do risco em 13 tipos de câncer: adenocarcinoma de esôfago; câncer de cárdia; câncer de cólon e reto; fígado; vesícula biliar; pâncreas; mama (no período pós-menopausa); corpo do útero; ovário; rim; meningioma; tireoide e mieloma múltiplo.
“A gordura visceral está muito mais relacionada às alterações hormonais do que a gordura subcutânea. Um paciente com acúmulo evidente de gordura visceral é mais propenso a um processo inflamatório crônico intenso, assim como a uma resistência insulínica maior — dois fatores muito relevantes”, explica o Dr. Álvaro.
“O paciente obeso tem dificuldades em todas as etapas relacionadas ao câncer, não apenas no aumento da incidência, mas também no diagnóstico precoce”, alerta ele.
Em 2022, foi publicada uma revisão que avaliou os obstáculos enfrentados por pessoas obesas no rastreamento e na detecção precoce do câncer. O principal fator que mais atrasava a ida ao médico e a realização de exames periódicos era o medo do constrangimento e o estigma associado à obesidade.
Há também limitações técnicas: alguns aparelhos de tomografia, por exemplo, têm limite de peso e nem sempre comportam pacientes com mais de 120 kg. Diagnósticos por ultrassom ou raio-x também se tornam menos eficazes à medida que o paciente tem maior índice de obesidade.
Além disso, pacientes obesos costumam apresentar mais efeitos colaterais à quimioterapia e à radioterapia. Frequentemente, é necessário ajustar os esquemas terapêuticos por conta desses efeitos. Os índices de recidiva e de cura também são comprometidos pelas alterações provocadas pela obesidade, sobretudo pela resistência insulínica.
Segundo o Dr. Álvaro, perder peso ajuda a reduzir a incidência de câncer. “Temos observado que, principalmente quando essa perda ultrapassa 20% do peso inicial, o impacto na redução do risco de câncer é significativo. Existe uma relação direta entre a quantidade de peso perdido e a diminuição do risco.”
Espero que este texto sirva de alerta para tantas pessoas obesas, como eu, para buscarem tratamento e conseguirem reduzir os riscos de desenvolver câncer. E, Preta, muito obrigada por abrir os meus olhos. Estarei sempre na sua torcida!